“Acreditamos que o governo deve trabalhar em prol da população”

(Foto: Arquivo pessoal)
Por: Mainary Nascimento
“A pressão política se fez necessária como uma forma de tentar aplicar a democracia e fazer nossas vozes serem ouvidas. Todas nós acreditamos que o governo deve trabalhar em prol da população”. A declaração é da estudante de Arquitetura e Urbanismo, Letícia Passinho, de 21 anos, sobre a pressão que o movimento #DefendaOLivro está causando no meio político pela derrubada da proposta de reforma tributária que pretende taxar os livros em 12%.
Letícia integra um grupo de 11 jovens leitoras assíduas, de diferentes regiões do país, que coletou mais de 1 milhão de assinaturas em uma petição online que diz “não à tributação dos livros”. A iniciativa foi uma reação ao Projeto de Lei 3887/2020, enviado pelo governo federal à Câmara dos Deputados, em julho do ano passado, para instituir a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) e alterar a legislação tributária federal.
A proposta, sugerida pelo ministro da Economia Paulo Guedes, acaba com a isenção de taxas sobre os livros. Atualmente, esse tipo de produto é livre de impostos pela Constituição Federal de 1988 e, desde o ano de 2014, tem alíquota zero de PIS/Cofins. Caso o PL seja aprovado pelos parlamentares, os livros poderão ser tributados em 12% pela CBS, impactando não apenas o mercado editorial brasileiro, mas especialmente a educação e a cultura do país.
Logo depois que a proposta foi encaminhada à Câmara, as jovens que participam de um clube de leitura no Twitter indignaram-se com a pouca repercussão. Foi, então, que uma delas, a estudante de Engenharia Civil, Julia Bortolani, 18, que mora em Guarantã do Norte (MT), teve a ideia de lançar o abaixo-assinado na plataforma Change.org. A mobilização viralizou nas redes sociais e, em duas semanas, já havia engajado 1 milhão de pessoas.
“A pressão política se fez necessária como uma forma de tentar aplicar a democracia e fazer nossas vozes serem ouvidas”
Ao tentar defender o projeto, o ministro da Economia alegou que livros são um bem de consumo da elite. Entretanto, assim como Letícia e Julia, milhões de leitores vorazes não se enquadram neste perfil e correm o risco de ter o acesso à leitura ainda mais dificultado.
“Apenas uma pequena parte da população tem acesso a livros no nosso país, e isso não é devido à falta de interesse, e sim devido ao alto custo. Nós acreditamos que o governo deve implementar políticas que incentivem a literatura e que disseminem cada vez mais livros e informação para a população”, comenta a estudante Dinah Adélia, 21, outra participante do grupo, que também se articula no Twitter e Instagram através do perfil @defendalivros.

As estudantes, que começaram a campanha com uma meta de 50 mil assinaturas, se dizem surpresas pela visibilidade que alcançaram. Elas acreditam que todo esse engajamento popular em torno da causa representa a importância da leitura e do acesso aos livros. “Mostra que as pessoas se importam, sim, com esse assunto e que, se muitas vezes o brasileiro é acusado de ler pouco, isso se deve à falta de oportunidade e não de vontade”, afirma Julia.
Apesar de algumas integrantes do grupo já terem tido contato com o universo das petições online, nenhuma delas havia liderado uma mobilização. A primeira experiência levou Julia a representar a voz e a força da sociedade civil no Prêmio Jabuti e em uma live na 1ª Bienal Virtual do Livro de São Paulo, ambos eventos realizados no final do ano passado.
“Termos recebido convites para esses eventos mostra como a sociedade civil pode lutar e chamar atenção para suas causas. Para todas as pessoas que desejam defender uma causa, mas têm certo receio de dar errado, você só pode descobrir se tentar. Nós nunca imaginamos que íamos chegar a 100 mil assinaturas, mas chegamos a 1 milhão”, destaca Julia. “É necessário usar de mecanismos, como uma petição, por exemplo, para unir forças e mostrar o tamanho dessa luta”, completa a estudante da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
“A sociedade civil pode lutar e chamar atenção para suas causas”
Pressão direta no Congresso
Além do projeto de lei apresentado pelo governo federal, tramita na Câmara a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, que propõe unificar cinco impostos federais, estaduais e municipais em um único – o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ao contrário do PL, essa proposta mantém a imunidade do livro. Ambos devem ser avaliados em conjunto pela Casa.
No que depender da pressão popular, representada pelo peso de mais de 1.078.000 vozes no abaixo-assinado, a imunidade será preservada. No último Dia Nacional do Livro (29 de outubro), as autoras da petição participaram de uma audiência online com o senador Major Olímpio* (PSL-SP) – primeiro vice-relator da Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária -, e representantes do setor livreiro. Na ocasião, fizeram uma entrega simbólica da petição.
[*O senador faleceu em 18/3/2021, em decorrência da Covid-19.]

Após a audiência, o arquivo do documento, que possui 52 mil páginas de assinaturas em arquivo PDF, foi enviado formalmente pela Change.org ao e-mail do gabinete do senador. Major Olímpio se solidarizou pela causa e, dias depois, encaminhou o abaixo-assinado ao então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), comprometendo-se, ainda, a fazê-lo chegar ao conhecimento de todos os demais senadores e também dos deputados federais.
“Jovens com 21 anos de idade, com 20 anos, com 17 anos, tendo a sensibilidade que nós governantes dos poderes não estamos tendo a vergonha na cara de enxergar”, comentou o senador durante a audiência online. “Esse 1 milhão de assinaturas é um tapa na cara de cada um daqueles que têm responsabilidade pública”, acrescentou o parlamentar.
“Esse 1 milhão de assinaturas é um tapa na cara de cada um daqueles que têm responsabilidade pública”
Ainda na reunião, Major Olímpio pontuou que a mobilização das criadoras do abaixo-assinado é a favor do saber e da cultura e que, para avançar ao padrão da excelência, todos os países precisam passar pelo caminho da educação. Outras nações da América do Sul, como Argentina, Colômbia, Bolívia, Peru e Uruguai, têm tributação zero nos livros.
“Nossas expectativas são altas. Nossa petição teve um grande alcance e percebemos através dela que somos muitas pessoas unidas em prol de uma causa. Na entrega da petição ao senador Major Olímpio tivemos uma resposta positiva e esperamos que siga a mesma linha, estamos esperançosas que o governo atenda a população e honre o que chamamos de país democrático. Acreditamos e esperamos que a proposta seja derrubada”, afirma Letícia.
A expectativa era que o relator da Comissão Mista da Reforma Tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentasse o seu relatório ainda em setembro do ano passado. Porém, o prazo foi estendido em decorrência da pandemia do novo coronavírus e das eleições. Depois de passar pela comissão, o relatório ainda precisará ser votado no plenário da Câmara e, então, encaminhado ao Senado Federal para aprovação.
Impacto no mercado editorial
As integrantes do movimento “Defenda o Livro” canalizaram no abaixo-assinado não apenas o apelo de leitores e estudantes que poderão ser afetados pelo encarecimento dos livros, mas também de membros do próprio setor livreiro, do mercado editorial e de escritores nacionais, que já enfrentam sérias dificuldades para conseguir publicar um livro no país.
Entidades representativas do setor de livros também pressionam para que a proposta de tributação não avance. Associações como a AbreLivros, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) lançaram um manifesto, afirmando que a reforma tributária elevará o preço dos livros e que isso não será suficiente para solucionar o problema de arrecadação do governo, além de significar um “desinvestimento” para o Brasil.

Como um contraponto, opositores da proposta sugerem que outras formas de arrecadação deveriam ser pensadas na reforma tributária e poderiam trazer resultados positivos para as contas do governo, como a taxação de grandes fortunas, iates e jatinhos.
“É fácil calcular o quanto o governo poderá arrecadar com a nova CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), proposta em regime de urgência ao Congresso. Muito mais difícil é avaliar o que uma Nação perde ao taxar o bem comum da formação intelectual de suas cidadãs e cidadãos”, enfatiza um trecho do manifesto. Para as entidades, o Brasil precisa do crescimento intelectual amplo e igualitário da população para crescer no futuro.
O presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Marcos Pereira, também participou da audiência online com o senador Major Olímpio e destacou que a proposta de taxação terá um efeito devastador na indústria ao provocar um aumento no preço do livro de, aproximadamente, 20%, o que impactará no consumo. “A taxação é um desinvestimento para o livro. Nós precisamos muito crescer o hábito de leitura para crescermos como país”, disse.
O impacto da tributação se alastraria em cadeia pelo mercado editorial, com menos vendas nas livrarias, menos produção seria feita nas editoras. Mesmo com a atual isenção nos livros, algumas redes de livrarias já enfrentam dificuldades e vêm fechando as portas no Brasil.
No manifesto, as associações ponderam, ainda, que a popularização do livro tem papel fundamental para o aumento da educação do brasileiro. Elas acreditam que, quanto menos livros houver em circulação, mais haverá elitismo no conhecimento e desigualdade.
“O escritor e editor Monteiro Lobato cunhou a famosa frase ‘um país se faz com homens e livros’; anos depois, o editor José Olympio acrescentou: ‘…e ideias’. Ai do país que se torna um deserto de homens, livros e ideias. Queimado em praça pública sempre que a intolerância triunfa, o livro resistiu aos séculos e atravessou as crises tendo a sua significação para a humanidade renovada e fortalecida”, destaca outro trecho do manifesto das entidades.
Ajude a aumentar ainda mais o impacto dessa mobilização! Acesse http://change.org/DefendaOLivro para assinar e compartilhar a petição.
Esta matéria foi publicada na 2ª edição da revista digital “Change.org Brasil em Notícias”. Clique AQUI para ler.

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