Audiência na Câmara discute tributação do livro

“Somos 1,4 milhão de vozes falando que isso não será aceito”

Julia Bortolani coletou 1,4 milhão de assinaturas em petição e lançou o movimento #DefendaOLivro (Foto: Reprodução)

Por: Mainary Nascimento

A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados debateu, na manhã desta segunda-feira (26), a taxação do livro e o direito à educação e à cultura. O debate aconteceu em uma audiência pública online e contou com a participação da universitária Julia Bortolani, 18, uma das leitoras assíduas que lançaram o movimento #DefendaOLivro e reuniram mais de 1,4 milhão de apoiadores em um abaixo-assinado hospedado na plataforma Change.org

Em seu discurso, Julia falou como a luta em defesa dos livros une desde crianças, ainda nos passos iniciais da leitura, até idosos, que mantêm o livro como “uma boa companhia”. De forma enfática, a jovem, que representa o movimento contra a tributação dos livros, disse que essa luta não vai parar até que a proposta de taxação seja revertida. 

“Eu espero que a minha fala não seja ignorada. A minha fala aqui é para reforçar que a taxação de livros não vai ser aceita. A população brasileira não quer essa taxação de livros. E uma prova disso são essas 1 milhão e 400 mil assinaturas”, falou em referência ao tamanho do abaixo-assinado. “Como os senhores têm coragem de taxar livros em um Brasil em que falta o básico e o essencial?”, questionou a jovem às autoridades do governo federal. 

A estudante comentou que a motivação para lançar o movimento em defesa do livro partiu da revolta e da indignação. “Nossos planos não eram tão ambiciosos, esperávamos alcançar algumas poucas dezenas de milhares de pessoas”, contou a jovem sobre o momento em o grupo de estudantes decidiu abrir o abaixo-assinado e criar a campanha contra a tributação. “Mas o movimento cresceu e em pouco mais de duas semanas já éramos 1 milhão de pessoas lutando contra isso”, completou a estudante universitária na audiência.  

Julia também abordou as dificuldades que os estudantes de escolas públicas têm para o acesso ao livro didático. “Nessa jornada ao longo das escolas faltaram muitas coisas”, lembrou. “Livro didático? Não tive muitos, pra ser sincera passei a maior parte do tempo sem nenhum. Meu professor Língua Portuguesa em especial, professor Sérgio Cervieri, saía para pedir em outras escolas livros didáticos emprestados para que tivéssemos o básico para trabalhar, e com muito esforço ele conseguiu, não eram muitos, mas nós fazíamos render”.

Em resposta ao argumento de que livros serão distribuídos a quem não tem condições financeiras, Julia lembrou mais uma vez de sua realidade como ex-aluna de escola pública para dizer que o governo não dá conta de oferecer sequer livros didáticos, muito menos os não-didáticos. “E mesmo que conseguissem disponibilizar, quem escolheria esses livros, quem escolheria o que a gente quem vai ler? A leitura tem que ser livre, tem que ser de escolha”. 

A audiência foi solicitada pela deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RJ), que é coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro, da Leitura e da Escrita, em conjunto com Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Glauber Braga (PSOL-RJ) e Ivan Valente (PSOL-SP). Com duração de 2h30 e mais de 4 mil pessoas assistindo ao vivo, a deputada Melchionna destacou que essa audiência foi uma das que mais tiveram acesso de público pela internet. 

Além de Julia, também participaram membros de três entidades do setor livreiro e a diretora-executiva da Change.org Brasil, plataforma que hospeda o abaixo-assinado, Monica Souza. A ausência de representantes dos ministérios da Cidadania e da Cultura foi sentida pelos participantes. O primeiro órgão disse que o debate caberia à Cultura, já este informou à Comissão, por e-mail, que não indicaria nenhum representante para a mesa de discussões. 

Com atraso, Fernando Mombelli e Sandro de Vargas Serpa, subsecretário de Tributação e Contencioso da Receita Federal do Brasil, somaram-se à audiência. Também participou uma representante do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em nome do Ministério da Educação, e uma integrante da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias.

Foi a primeira vez que a Câmara dos Deputados debateu o tema publicamente. No começo do mês, a discussão sobre a proposta de taxação dos livros voltou à tona depois que a Receita Federal defendeu, em um documento, que os livros poderiam perder a isenção tributária porque são mais consumidos por famílias com renda superior a 10 salários mínimos. A posição foi duramente condenada pelos convidados durante o debate. 

Pela proposta de reforma tributária, apresentada pelo governo federal, os livros, que hoje são isentos de impostos pela Constituição Federal de 1988 e, desde o ano de 2014, têm alíquota zero de PIS/Cofins, passariam a ser taxados em 12% pela Contribuição de Bens e Serviços (CBS). Além deste projeto de lei (PL 3887/2020), a reforma também é discutida no Congresso Nacional por meio da PEC 45, que, por outro lado, mantém a imunidade do livro. 

Ao requerer a audiência, os deputados solicitantes destacaram que o acesso ao livro e à leitura constitui aspecto fundamental para os direitos à educação, lazer e à cultura, garantidos na Constituição. Os parlamentares enfatizaram, ainda, que é preciso ampliar esse acesso, e não restringi-lo, como pode acontecer caso a reforma tributária seja aprovada nesses termos.

A mobilização #DefendaOLivro

Sâmia, Monica Souza e Fernanda Melchionna durante a audiência pública (Foto: Reprodução)

Monica Souza usou seu tempo de fala para ressaltar a importância da mobilização em defesa do livro e destacou como essa união de 1,4 milhão de apoiadores se deu de forma rápida, por meio da plataforma Change.org, e passa um recado importante às autoridades. 

“Esse momento também ficará marcado como o dia em que uma jovem, de 18 anos, subiu à tribuna do parlamento, representando mais de 1 milhão e 400 mil vozes, para dizer “não”! Não vamos deixar que vocês tributem a nossa educação, a nossa cultura e o nosso futuro”, falou a diretora-executiva da Change.org Brasil, definindo o momento como “histórico”.  

As falas de Julia e Monica emocionaram a deputada Melchionna, que também lembrou sua trajetória como “filha de escola pública” que luta pela educação no Brasil. O deputado Glauber Braga disse, ao final, acreditar que será dada “marcha a ré” na proposta. “Eles sentiram o peso de uma mobilização nacional que está fazendo com que milhões de pessoas digam não a essa iniciativa, que é, repito, elitista e excludente”, discursou o parlamentar.  

A diretora-executiva da Change.org concluiu sua fala enfatizando o peso do abaixo-assinado contra a tributação. “Juntos somos mais fortes. Cada assinatura que vocês deixaram na petição da Julia não será em vão. Estamos aqui demonstrando a força do ativismo jovem e, especialmente, do ativismo digital em tempos de pandemia e isolamento social. Estamos mostrando o peso do engajamento da sociedade nos debates do país e como isso é fundamental para assegurar e construir a democracia. Por fim, estamos aqui provando a legitimidade do exercício cidadão por meio de mobilizações coletivas”.

Por diversas vezes, o movimento #DefendaOLivro foi destaque nas redes sociais, alcançando os trending topics do Twitter. Fora do online, as jovens conquistaram espaço para defender a causa na cerimônia do Prêmio Jabuti e também na 1ª Bienal Virtual do Livro de São Paulo, ambas realizadas no ano passado, nas quais Julia teve participação. 

As estudantes também fizeram a entrega do abaixo-assinado ao Congresso Nacional, em outubro do ano passado. O grupo participou de uma audiência virtual com representantes do setor livreiro e com o então primeiro vice-relator da Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária, o senador Major Olímpio, falecido em março. Poucos dias depois da reunião, o parlamentar enviou o abaixo-assinado ao então presidente do Senado, Davi Alcolumbre.

A petição atingiu 1 milhão de assinaturas em apenas duas semanas após a criação e terminou o ano como a 5ª com maior engajamento na plataforma Change.org. A marca de 1,4 milhão de apoiadores foi atingida na última sexta-feira (23), Dia Mundial do Livro e dos Direitos Autorais. O abaixo-assinado segue aberto: http://change.org/DefendaOLivro   

A audiência está disponível na íntegra neste link.  

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