Após petição, aluna surda consegue vitória

Graças à mobilização, o site “Descomplica” começou a colocar legendas nas videoaulas

A estudante Maria Clara e seu abaixo-assinado vitorioso (Foto: Arquivo pessoal)

Por: Mainary Nascimento

Foram nove meses de mobilização e mais de 80 mil assinaturas coletadas em um abaixo-assinado para que as pessoas surdas conquistassem o direito de estudar em uma das maiores empresas de educação digital do Brasil, a Descomplica. Após pressão da equipe da Change.org, site que hospedou o abaixo-assinado criado pela estudante surda Maria Clara Rosa Meier, a empresa se manifestou e começou a colocar legendas em suas videoaulas. 

Maria Clara, que é surda profunda bilateral oralizada, recorreu à Change.org para lançar a campanha depois de ter comprado um pacote do cursinho online e se deparar com a falta de legendas e intérpretes nos vídeos. Era setembro de 2020 quando ela iniciou a mobilização, que no mês de junho se tornou uma vitória na luta dos direitos das pessoas surdas.

“Eu tenho o implante coclear, que já quase não uso mais por não gostar, mas este aparelho auditivo ainda não é o suficiente. A minha forma de ouvir não é 100% igual a dos ouvintes, pois acabo tenho mais dificuldade de captar alguns sons. O que melhoraria isso seria o uso da legenda [nos vídeos], que a Descomplica não oferece”, narrou a estudante, de 18 anos, no momento em que iniciou a petição online, ainda no ano passado.  

Auxiliada pela equipe da Change.org, que atua nos “bastidores” para levar as reivindicações levantadas nos abaixo-assinados até as empresas ou políticos e autoridades capazes de atendê-las, a estudante e seus apoiadores promoveram, ainda em outubro do ano passado, uma ação de pressão nas redes sociais da empresa de cursinhos. O objetivo  era chamar a atenção para a causa. Na ocasião, a Descomplica ainda não havia se manifestado. 

Em seguida, procurada diretamente pela Change.org, a empresa que oferece aulas preparatórias para o vestibular e Enem respondeu positivamente. “Estamos 100% de acordo com essa reivindicação levantada. A acessibilidade é uma questão que precisa estar sempre em pauta em todos os espaços”, disse a Descomplica, ainda em outubro. “Acreditamos que a educação precisa ser acessível para todos e, por isso, agradecemos do fundo do coração por se mobilizarem e nos fazerem olhar mais atentamente para essa questão”, completou. 

Na época, a Descomplica também informou que iniciaria um plano de adequação, priorizando junto às suas equipes de produto e tecnologia o desenvolvimento de legendas para os vídeos. Em novo contato realizado pelos especialistas em campanhas da Change.org, no mês de junho, a empresa respondeu que já havia começado a legendar os vídeos das aulas.

“A história de Maria Clara me tocou desde o primeiro momento, vi ali um grande potencial e uma luta que não poderia acabar sem um final feliz. A iniciativa da criadora da petição representa também a voz de todas as pessoas com deficiência auditiva que precisam de acesso e respeito”, comenta Marcelo Ferraz, especialista da Change.org que atuou diretamente na mobilização. “Valorizo muito quando empresas entendem e se comprometem a mudar por um bem maior. Ponto para a acessibilidade. Ponto para o ativismo digital”, completa.

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“A história de Maria Clara me tocou desde o primeiro momento”

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O processo de inserção de legendas nos vídeos ainda levará algum tempo para estar 100% finalizado, porém, Maria Clara já reconhece e celebra a vitória conquistada. “Foram mais de 80 mil assinaturas e pressão nas redes sociais. Nosso objetivo foi alcançado!”, comemorou a estudante. “Agradeço a todo mundo que assinou, vocês foram essenciais. Infelizmente, o processo foi demorado, mas conseguimos esse direito, isso que importa!”, completou na mensagem de declaração de vitória postada na página do abaixo-assinado online. 

O passo a passo da vitória

Em entrevista à “Change.org Brasil em Notícias”, Maria Clara conta que já havia tentado chamar a atenção do site de cursinhos postando hashtags no Instagram com o pedido de legendas ou intérpretes. As mensagens eram lidas, mas não respondidas. Sem sucesso e sem ter mais a quem recorrer, a jovem decidiu lançar o abaixo-assinado. A intenção era mostrar que muitas pessoas tinham a mesma necessidade ou apoiavam o pedido por acessibilidade. 

“É importante para mostrar que nós surdos estamos aqui e queremos o que é nosso por direito. Merecemos tanto quanto um ouvinte o acesso de assistir uma simples aula. Independente de ser um estudo público ou privado, a gente merece e deve estar presente em todos os espaços. Conseguir isso representa a acessibilidade que devemos e queremos ter em todos os lugares”, comenta a estudante sobre o que a vitória representa na luta pela inclusão.

Apesar de já ter assinado várias petições na internet, Maria Clara nunca havia criado uma. A experiência positiva fez com que ela passasse a acreditar mais na efetividade da ferramenta. A jovem passou a considerar os abaixo-assinados como um passo a caminho da conquista de uma “enorme visibilidade”, o que, em sua opinião, ajuda a alcançar o objetivo. “Sou grata pelo apoio da Change.org e das 80 mil pessoas que se disponibilizaram a assinar”. 

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“Sou grata pelo apoio da Change.org e das 80 mil pessoas que se disponibilizaram a assinar”

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A primeira experiência no ativismo digital, via petição, reforçou o desejo da jovem de atuar politicamente em prol das causas que acredita. A conquista fez com que a estudante se tornasse uma inspiração e uma voz representativa da luta das pessoas com deficiência. Além de virar notícia na imprensa, Maria Clara foi convidada para fazer a abertura da primeira audiência pública da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência de Niterói, de 2021.

Na Câmara Municipal de Niterói, a jovem falou sobre educação inclusiva (Foto: Arquivo pessoal)

“Verba é o que não falta para acabar com essa segregação com os surdos e sim a falta de uma educação e conscientização para todos os brasileiros”, discursou na audiência. “Outro ponto que eu gostaria de destacar aqui é que a educação inclusiva também ensina a lidar com a convivência da diferença. As pessoas não são iguais e propagar esse discurso de igualdade é apagar as diferenças e se acomodar em uma falsa bolha”, ressaltou em sua fala. 

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“As pessoas não são iguais e propagar esse discurso de igualdade é apagar as diferenças e se acomodar em uma falsa bolha”

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O momento em que discursou foi definido como “histórico” pelos presentes. “Foi gratificante poder abrir essa audiência e saber que isso se deu graças à visibilidade que consegui ter com o meu Instagram e com a petição na Change.org”, afirma a jovem. 

No Instagram, a estudante mantém o perfil @surdez.politica, no qual posta conteúdos com o intuito de acabar com a ignorância das pessoas sobre a comunidade surda. Na página, faz publicações com informações que visam tornar mais fácil o entendimento do público sobre a forma correta de lidar com outros grupos sociais. Além disso, espera com os posts alcançar pessoas que despertem o interesse por estudar sobre o assunto e aprender Libras. 

Barreiras vencidas, lutas constantes  

Maria Clara segue com a expectativa alta para fazer mais coisas em breve por essa causa. Ela conta, inclusive, que já está desenvolvendo alguns projetos. Para as pessoas que têm o desejo de lutar por algo, mas não se sentem capazes ou não acreditam que pode dar certo, a estudante deixa uma dica: “estudar firmemente sobre o assunto”. 

Maria Clara começou recentemente a faculdade de
Letras-Libras (Foto: Arquivo pessoal)

“Quando saímos da ignorância, pode acabar sendo decepcionante enxergar o mundo na sua dura realidade, mas também pode ser libertador e te dar o gás suficiente para querer ao menos tentar acabar com a crueldade que existe em vários aspectos”, destaca a estudante. “E é tentando que a gente acaba conseguindo. Se não conseguir a vitória pela luta, conseguimos ao menos alguns aliados que com certeza irão se disponibilizar em pensar, montar e realizar algo maior junto com você. Ah e claro, muita terapia!”, finaliza a jovem estudante.

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“É tentando que a gente acaba conseguindo”

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O preconceito, a falta de informação e de preparo das pessoas para lidar com os surdos foi algo que Maria Clara precisou enfrentar ao longo de seus estudos e que continua tendo que encarar no dia a dia. A estudante explica que o ensino brasileiro é focado no método “ouvinista”, ou seja, pensado para os alunos ouvintes. Por não receber o ensino adequado, que deveria ter o apoio de Libras e de professores com especialização, enfrentou dificuldades. Além disso, ainda precisou encarar o descaso das escolas com os casos de bullying

“Acho que o bullying acabou sendo o principal fator no meio disso tudo, pois em vez de estudar, eu chorava, e acabou afetando minha autoestima também”, lembra. Em seu discurso na Câmara de Niterói, Maria Clara também falou sobre o assunto, explicando que não culpa as crianças que apontaram o dedo para ela, mas sim os adultos que não tentam mudar a educação e unir pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência em um mesmo ambiente. 

Apesar das dificuldades, Maria Clara conseguiu superá-las e passou no vestibular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em julho, iniciou o curso de Letras, com ênfase em Libras. Na faculdade, considera que as coisas estão melhores, com professores, coordenadores, monitores e alunos se disponibilizando a ajudá-la. Entretanto, em outros espaços sociais, como uma simples ida ao mercado, ainda sofre com a falta de acessibilidade. 

Maria Clara foi implantada com 1 ano e meio e largou o aparelho coclear aos 17 anos, Na ocasião, começou a estudar Libras e agora, na faculdade, visa ampliar sua fluência.    

Para lembrar: outra vitória da acessibilidade

Família de pais surdos e filhas ouvintes assiste a filme com recursos de acessibilidade no cinema (Foto: Arquivo pessoal)

Campanhas pelos direitos das pessoas com deficiência sempre engajam um grande público na plataforma Change.org. No ano de 2019, outra importante vitória foi conquistada pela comunidade surda a partir de uma petição lançada no site e apoiada pela equipe. 

O sonho de uma família, com pais surdos e filhas ouvintes, foi realizado depois de uma vitória em um abaixo-assinado que cobrava por recursos de acessibilidade nos cinemas. Mais de 152 mil pessoas assinaram a petição e, pressionadas pela Change.org, duas redes de cinema convidaram a família para uma sessão acessível do filme da Turma da Mônica. 

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A história de Maria Clara te inspirou a lutar pelo que você acredita? Então, comece agora uma petição na Change.org. É muito simples, um processo de apenas 5 passos! 

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Esta matéria foi publicada na 3ª edição da revista digital “Change.org Brasil em Notícias”. Clique AQUI para ler. 


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