Advogado do povo Xokleng enfatiza a importância da mobilização social

Por: Mainary Nascimento
“Não existe marco temporal na Constituição de 88, existe uma ficção jurídica criada justamente para impedir a reparação de um direito dos índios”, afirma o advogado Rafael Modesto dos Santos, que atua como representante do povo Xokleng de Santa Catarina no processo que discute a tese no Supremo Tribunal Federal. Retomado nesta quarta 15, o julgamento foi novamente adiado após pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes.
Mais de 160 mil pessoas se mobilizam contra a ação. O manifesto foi protocolado no STF em 24 de junho. Inicialmente, subscrito por por artistas, juristas, acadêmicos e diversas personalidades brasileiras. Depois, a carta foi aberta para coleta de assinaturas em um formulário virtual e em uma petição hospedada na Change.org.
Quando o julgamento foi retomado em agosto, a carta com as milhares de assinaturas foi novamente levada ao Supremo. O ato simbólico reuniu mais de 6 mil indígenas em uma vigília, em frente à Corte, para o acompanhamento do julgamento. Nesta quarta 15, houve nova mobilização com a volta do processo à pauta e a realização de sua sexta sessão.
Para Modesto, a mobilização da sociedade em defesa dos direitos dos povos indígenas busca garantir a proteção ambiental das terras e o futuro desse patrimônio ambiental. Além disso, destaca o advogado, a defesa dessas áreas é necessária à preservação física e cultural deles.
“Esse engajamento, essa mobilização, é extremamente importante no sentido de convencer o restante da sociedade, os poderes da República e, em especial, os 11 ministros da suprema Corte que depositam votos a fim de interpretar o texto constitucional e garantir, então, esse direito aos povos indígenas, que é um direito declarado, pré-existente.”
Além da sociedade em geral e de artistas, acadêmicos e juristas, entidades de classe, como a própria Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Antropologia, e grupos religiosos, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB, se uniram ao protesto dos indígenas para que a tese do marco temporal seja barrada.
Após um voto contrário do ministro relator do processo, Edson Fachin, na sessão do dia 9, Nunes Marques votou favoravelmente ao marco, deixando o placar em 1×1. Depois do pedido de mais tempo do ministro Moraes, ainda não foi definida nova data para o julgamento.
Debate
A tese do marco temporal defende que os povos indígenas só podem reivindicar direitos pelas terras onde já viviam quando a Constituição Federal entrou em vigor, em 5 de outubro de 1988. No processo, a Corte analisa a ação de reintegração de posse movida pelo Governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à terra indígena Ibirama-Laklanõ.
A medida deve fazer com que os povos indígenas percam áreas ainda em processo de demarcação, já que a decisão adotada para o caso servirá como diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário em relação à demarcação de terras indígenas e os direitos territoriais desses povos. Controversa, a tese tem sido apontada como inconstitucional.

O advogado do povo Xokleng afirma que qualquer limitação de tempo que seja colocada para decidir sobre os direitos dos indígenas em relação a essas áreas é inconstitucional. Isso porque, segundo Modesto, a medida afronta todos os conceitos do artigo 231 da Constituição Federal, em especial, o usufruto exclusivo das terras que garante aos povos originários do Brasil o direito à demarcação de seus territórios de ocupação tradicional.
“Não é ocupação física, nos termos do que querem os ruralistas que defendem a tese do marco temporal. Mas é uma ocupação originária e tradicional, como está escrito no texto constitucional”, detalha o advogado. “Um direito que é originário, pré-existente, inato, é congênito. É um direito anterior à criação do Estado brasileiro, é um direito declarado e não constituído, portanto, que já existia sempre”, completa sobre o usufruto exclusivo das terras.
Ao definir o marco temporal como “ficção jurídica”, Modesto diz que ele impede a reparação do direito das comunidades indígenas de terem devolvidas suas terras de ocupação tradicional, “que foram sendo esbulhadas, roubadas dos povos em todo o século passado”. O advogado dos Xokleng também é assessor jurídico do Conselho Missionário Indigenista (Cimi).
A carta pontua que a tese do “marco temporal” é um dos exemplos “mais cristalinos de injustiça” que se pode oferecer a alunos de um curso de teoria da Justiça. “Não há ângulo sob o qual se olhe e se encontre alguma sombra de justiça e legalidade”, destaca um trecho do documento direcionado aos ministros do STF.
Com a suspensão do julgamento e o voto de Nunes Marques, as mobilizações contra a aprovação da tese se intensificaram. O abaixo-assinado segue aberto e engajando a sociedade, por meio da plataforma Change.org, com o objetivo de sensibilizar os ministros.
Matéria publicada na CartaCapital.

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