“Fora das Margens” chega ao Brasil

Programa levanta pautas em defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+

Imagem representa todas as bandeiras da comunidade LGBTQIA+ (Foto: Reprodução)

Por: Mainary Nascimento

A organização Change.org, em parceria com o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat), trouxe ao Brasil, no primeiro trimestre do ano, um programa em defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+. Chamado de “Out of the Margins” (Fora das Margens), o projeto da ONG britânica Stonewall é uma ação global desenvolvida por uma rede de 24 organizações na Europa e Ásia Central, África Subsaariana e América Latina e Caribe. 

Em todo o mundo, lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e outras pertencentes à comunidade LGBTQIA+ são excluídas e sofrem por não terem seus direitos garantidos. No Brasil, nação que lidera o ranking de assassinatos de transexuais, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o cenário é ainda pior. Diante desta realidade, a Change.org e o Ibrat uniram esforços para desenvolver o projeto “Fora das Margens”. 

O principal objetivo em receber o programa, segundo a diretora-executiva da Change.org, Monica Souza, foi empoderar membros dessa comunidade e criar uma ação de advocacy a fim de construir e pressionar por políticas públicas locais e nacionais em defesa dos direitos LGBTQIA+. Ainda segundo Monica, outra finalidade foi jogar luz na realidade de exclusão, especialmente das pessoas trans, provocando um debate na sociedade em geral.

“Vivemos em um país em que a expectativa de vida para transexuais é de apenas 35 anos, enquanto para a população em geral é, em média, 75. Não é possível aceitar que 90% dos cidadãos transgêneros e travestis precisem recorrerer à prostituição por falta de um emprego formal. Essa situação precisa mudar, por isso trouxemos esse importante programa para o Brasil. É urgente que algo seja feito”, comenta a diretora-executiva da Change.org.   

O programa desenvolveu-se a partir de dois pilares: treinamento de pessoas LGBTQIA+ para o lançamento de campanhas e amplificação de suas vozes sobre problemas nas áreas da saúde, educação, trabalho, entre outras, que afetam suas vidas. Nesta via, abaixo-assinados foram criados na plataforma Change.org e seguem abertos ajudando a colocar questões urgentes em pauta e a engajar a população em torno das demandas apresentadas por elas. 

“Colocamos à disposição desta comunidade nossos recursos tecnológicos e a nossa expertise”, detalha Monica. “Esperamos seguir empoderando esses cidadãos para que suas vozes possam ecoar na sociedade e sejam, de fato, ouvidas por políticos e autoridades capazes de mudar a injusta realidade de marginalização em que vivem”, acrescenta.

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“Esperamos seguir empoderando esses cidadãos para que suas vozes possam ecoar na sociedade”

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O outro pilar do projeto teve como foco o encaminhamento das demandas levantadas pela comunidade aos tomadores de decisão. Neste tópico, os membros do Ibrat seguem atuando junto a parlamentares e autoridades em busca da conquista de direitos. Homem trans, o secretário de políticas internacionais do instituto, Benjamin Neves, aponta a importância de ativistas da causa atuarem nos espaços de controle social, em representação ao segmento, para que possam colaborar com o desenvolvimento e monitoramento dessas políticas públicas.  

“É preciso que as pessoas LGBTQIAP+ estejam presentes nos conselhos dos seus municípios, dos seus estados. Eu sempre falo isso”, destaca Benjamin, que também é ativista e professor. “Dificilmente uma pessoa não-trans vai conseguir pensar em especificidades das pessoas trans em saúde, por exemplo. Então é importante que essa pessoa trans ou que uma pessoa trans representante esteja presente nesse espaço e em outros espaços para que essa comunidade, por exemplo, seja de fato acolhida e representada nas suas pautas”. 

Para Benjamin, além de ter proporcionado a formação em advocacy ou atualização dos ativistas, também foi importante firmar a parceria com a Change.org neste período de pandemia, em que o “ativismo de base”, o acesso a tomadores de decisão e a mobilização de ativistas foram dificultados pela quarentena. O ativista se diz otimista e tem a expectativa de, em breve, poder declarar vitória em algumas das petições que foram lançadas na plataforma.

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Uma das petições fruto do projeto foi respondida pelos órgãos governamentais e já é vitoriosa! Ela pedia a inclusão do nome social em alguns documentos. Acesse para saber mais: http://change.org/NomeSocialCTPS    

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Benjamin participou de reunião com o Ministério Público e entregou petição pela abertura de um ambulatório trans em Cuiabá. Confira: http://change.org/SaudeTransMT 

“A utilidade dos abaixo-assinados criados por nós ainda é imedível”, afirma Benjamin. A gente ainda não tem a real dimensão do quão úteis e transformadores esses abaixo-assinados são e podem ainda ser. Nós já estamos vendo e colhendo alguns frutos de alguns deles e já obtivemos algumas respostas”, completa. O membro do Ibrat ainda enfatiza a importância de, por meio das petições, os ativistas poderem lutar e chamar a atenção do restante da sociedade e do poder público. Ele espera novos projetos e planejamentos para o ano de 2022. 

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“A gente ainda não tem a real dimensão do quão úteis e transformadores esses abaixo-assinados são e podem ainda ser” 

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Demandas urgentes 

Ao longo do programa, a equipe da Change.org realizou um webinário de empoderamento para homens transexuais, com diferentes contextos de vida e de diversas regiões. Nas sessões, eles receberam orientações sobre a utilização da tecnologia como aliada em suas campanhas e sobre como mobilizar o apoio da sociedade. O grupo também recebeu dicas sobre formas de melhor direcionar suas demandas aos diferentes poderes e autoridades. 

Entre as pautas com maior engajamento, destacam-se aquelas ligadas ao acesso à saúde pelas pessoas trans, como a criação de ambulatórios e o andamento das filas para a realização de cirurgias de redesignação sexual. Benjamin, que aguarda sua cirurgia há sete anos, mantém uma campanha pela ampliação de vagas no Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), no Rio de Janeiro, para a ampliação do Programa Transexualizador. 

“As condições de atendimento de saúde especializado a pessoas trans no Brasil ainda são bastante precárias e isso impacta diretamente nas nossas vidas”, aponta o membro do Ibrat, que também é especialista em gêneros e sexualidade. “Muitas vezes as pessoas não entendem quando a gente fala tanto, quando a gente luta tanto. A gente luta não por um privilégio, nós não queremos um espaço exclusivo ou verbas exclusivas nos hospitais. Na verdade, a gente quer ter o direito ao acesso, que muitas vezes a gente já não tem”, diz. 

Segundo explica Benjamin, essa construção de direitos passa pela criação de pontes e diálogos entre movimentos sociais, tomadores de decisão, acadêmicos e profissionais da área da saúde. Doutor em Educação e doutorando em Estudos de Cultura Contemporânea, ele ainda destaca a necessidade de realização de cursos de capacitação ou de educação continuada para esses profissionais, já que os currículos das universidades, nos cursos de saúde, dificilmente incluem disciplinas optativas em gênero, sexualidade e saúde LGBTQIA+. 

Outra necessidade dessa comunidade é a empregabilidade. Ainda de acordo com a ANTRA, 90% dos cidadãos transgêneros e travestis precisam recorrer à prostituição como única fonte de renda por falta de um emprego formal. O secretário de políticas internacionais do Ibrat afirma que, além das leis de proteção, é preciso garantir que as pessoas trans e transmasculinas, mulheres trans e travestis, consigam ser inseridos no mercado de trabalho. 

“Sem renda, a pessoa não vai olhar e não vai cuidar da saúde dela. Primeiro, ela precisa de comida no prato, para depois buscar não só o cuidado em saúde, mas outros cuidados”, fala Benjamin. Em função dessa necessidade, em junho, uma petição com 30 mil assinaturas pela empregabilidade trans foi entregue à primeira deputada trans de São Paulo, Erica Malunguinho. Com a ação, a parlamentar prometeu a elaboração de um projeto de lei. 

Deputada Erica Malunguinho recebe abaixo-assinado e promete elaboração de PL pela empregabilidade de pessoas trans (Foto: Reprodução)

Para ampliar o alcance e o poder de mobilização dessas campanhas, a plataforma Change.org criou uma página na internet, concentrando os abaixo-assinados ligados ao tema. O hotsite cria um movimento em torno de pautas em defesa dos direitos LGBTQIA+ e, até o momento, reúne quase 80 petições e mais de meio milhão de apoiadores. 

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Acesse e confira as mobilizações que fazem parte do movimento “Direitos LGBTQIA+”: http://direitoslgbtqia.changebrasil.org  

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Pelo direito de existir

Diferente de muitas pessoas transexuais no Brasil, o professor Benjamin conseguiu driblar as estatísticas da baixa expectativa de vida e do desemprego das pessoas trans. Por ser branco e ter tido acesso à escolarização, reconhece que teve alguns privilégios. O que fez com eles? Decidiu seguir nos estudos e continuar na luta, considerando-os como um dever que precisa ser utilizado não só para se ajudar, mas também para apoiar a sua comunidade.  

“O que me permitiu chegar até aqui foi a minha vontade de ser eu mesmo e de ter certeza de que eu não tinha nenhum direito a menos do que nenhuma outra pessoa de viver a minha vida no máximo de plenitude que eu pudesse vivê-la”, declara Benjamin. Mesmo formado e atuando profissionalmente, para ele a luta só acaba quando todos os direitos de sua comunidade estiverem garantidos e sendo executados de fato, e não apenas previstos em leis. 

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“O que me permitiu chegar até aqui foi a minha vontade de ser eu mesmo”

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Diante dos desafios que o ativismo LGBTQIA+ enfrenta, o membro do Ibrat aponta como motivação a certeza de que sozinho não irá chegar a lugar algum. Ele explica que precisa de seus “pares” fortalecidos e empoderados para que caminhem juntos e que a luta pela existência e visibilidade não se perca e não se fragilize. “A gente continua lutando pelo nosso direito de simplesmente existir”, comenta. “A gente só quer ser tratado como qualquer outro cidadão e cidadã e podermos viver nossas vidas dignamente, com qualidade”.   

Para quem deseja lutar por uma causa, mas não se sente capaz ou não acredita que pode dar certo, o professor recomenda que procure outras pessoas ou grupos que atuam por objetivos comuns. Ele também sugere que a pessoa não deixe de acreditar. “Não duvide também de novas práticas de lutas. Eu acredito também na potência do ativismo online. E eu acho que nesse momento de pandemia, muito ainda pode ser feito através do ativismo online”. 

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O Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat) é uma rede nacional de homens trans e pessoas transmasculinas e transmasculines ativistas. Atua nos eixos da formação política, estudos e pesquisas sobre transmasulinidades. Visa, ainda, colaborar para promover a qualidade de vida para os homens trans e pessoas transmasculinas do Brasil, possibilitando uma maior autoestima, reconhecimento de suas cidadanias e identidades sociais e políticas. O instituto também luta pelos direitos das transmasculinidades. Conheça: https://www.facebook.com/institutoibrat/  

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Esta matéria foi publicada na 3ª edição da revista digital “Change.org Brasil em Notícias”. Clique AQUI para ler. 


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