Vítima de queimaduras, Alexandra Bilar luta por inclusão na Lei PCD

Por: Mainary Nascimento
Todos os anos cerca de 1 milhão de pessoas sofrem acidentes com queimaduras no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ). Por um descuido próprio ou de terceiros ou até mesmo por uma fatalidade, em poucos segundos essas vítimas veem suas vidas radicalmente transformadas. Depois de sobreviverem à tragédia, começam a encarar as sequelas e diversos desafios físicos, emocionais e sociais até então desconhecidos.
As dores e os traumas que sentiu ao sofrer um grave acidente com queimaduras e os inúmeros relatos recebidos de vítimas desamparadas provocaram em Alexandra Bilar o desejo de se mobilizar e lutar por direitos. O meio que a idealizadora e presidente da Associação Nacional dos Amigos e Vítimas de Queimadura (Anaviq) encontrou para reunir apoiadores e levar o assunto para a discussão pública foi a criação de uma petição na Change.org.
Em pouco tempo, Alexandra conseguiu engajar mais de 30 mil pessoas em torno da reivindicação pela inclusão de vítimas de queimaduras médias e graves no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Em junho, mês dedicado à campanha de conscientização e prevenção dos acidentes com queimaduras, a autora da petição e outras vítimas participaram de uma audiência online e entregaram as milhares de assinaturas ao Congresso Nacional.
“Pessoas com graves queimaduras, além de enfrentarem uma das piores dores que um ser humano pode sentir, vivem um processo de cura e recuperação bastante lento, sendo submetidas a tratamentos dolorosos, que podem durar anos ou simplesmente durar para sempre”, explica Alexandra. Ela conta que, caso o acidentado não tenha um vínculo empregatício ou não tenha contribuído nos últimos 12 meses com a Previdência Social, acaba ficando desassistido para arcar com os curativos, malha compressiva, filtro solar e outros itens.
Professora de duas redes municipais de ensino, Alexandra foi afastada de uma e aposentada da outra para poder se dedicar aos cuidados físicos, psicológicos e emocionais. Já enfrentou aproximadamente 35 cirurgias reconstrutoras e, 11 anos após o acidente, diz estar entrando em um processo de “aceitação”. Procedimentos dolorosos, como de descolamento e expansão da pele do rosto e do tórax com soro, ainda são realizados semanalmente.
Acidentes com queimaduras são a quarta causa mundial, especialmente nos países de baixo e médio desenvolvimento, geradora de deficiências. A falta de um primeiro atendimento especializado que, embora regulamentado não chega para todos, provoca sequelas graves que poderiam ser evitadas se as vítimas tivessem acesso ao tratamento de reabilitação. Sem isso, as lesões das queimaduras acabam evoluindo para incapacitações motoras e orgânicas.
“Necessitam urgente dessa inclusão no Estatuto [da Pessoa com Deficiência], uma vez que nem são consideradas ‘normais’ devido à sua condição de saúde e nem possuem o direito de serem consideradas ‘deficientes’, vivendo à margem da sociedade”, fala Alexandra. As sequelas podem, ainda, levar a deformidades na pele, como quelóides, além de contraturas, intolerância ao sol e irritabilidade a produtos químicos, o que limita a sua função física. Quando tecidos mais profundos são atingidos pode ocorrer, ainda, o desenvolvimento de úlceras.
Além do difícil processo de tratamento, as vítimas de acidentes com queimaduras também precisam lidar com a barreira do preconceito. Segundo conta Alexandra, a dificuldade da retomada profissional do sobrevivente é enorme. Muitos são demitidos do emprego e não conseguem nova colocação no mercado de trabalho. Também por este motivo a inserção desses acidentados na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência é necessária.
“Dentro do contexto das queimaduras, posso citar alguns direitos de extrema relevância que possibilitarão a essa comunidade uma vida com maior qualidade e inclusão social, tais como o direito ao BPC [Benefício de Prestação Continuada], ainda que seja por período provisório até a pessoa se encontrar reabilitada, o da gratuidade no transporte para as idas frequentes ao hospital realizar o tratamento de reabilitação, o direito para se candidatar às vagas de trabalho destinadas às pessoas com deficiência”, diz Alexandra sobre o Estatuto.
Outra garantia que seria oferecida a essas vítimas com suas inserções na Lei da Pessoa com Deficiência são o uso do bilhete especial e de vagas preferenciais, já que, após a alta hospitalar, os pacientes precisam retornar frequentemente à clínica para a reabilitação.
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Ajude a causa das vítimas de acidentes com queimaduras. Sua assinatura pode fazer a diferença! Acesse a petição e apoie: http://change.org/InclusaoQueimados
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A campanha
A mobilização liderada pela Anaviq segue ativa na plataforma. As 30 mil assinaturas foram entregues ao deputado federal Roberto de Lucena (Podemos-SP), que preside a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Prevenção de Queimaduras e Atenção Global ao Paciente Queimado. Além dos integrantes da associação, também participaram do ato profissionais que atuam no tratamento dessas vítimas; o presidente da Sociedade Brasileira de Queimaduras, José Adorno; e a coordenadora de campanhas da Change.org, Débora Pinho.
A intenção dos acidentados é a criação de um Projeto de Lei. “Primeiramente esperamos por uma resposta oficial ao e-mail que foi enviado ao gabinete do deputado, expressando seu posicionamento”, comenta Alexandra. “Nossa expectativa é que se crie um Projeto de Lei que atenda às nossas reivindicações, que são legítimas. Enquanto o projeto não entra em discussão, entendemos que devemos mobilizar e buscar apoio em outros parlamentares para que fortaleçam a Frente Parlamentar”, completa a presidente da Anaviq.
Na audiência com o deputado, Alexandra ressaltou que as milhares de assinaturas reunidas na petição dão força para a criação do PL. Além da cerimônia online e simbólica, o arquivo com as 31 mil assinaturas, contabilizando 1.586 páginas, foi enviado formalmente, por e-mail, ao gabinete do parlamentar. O encaminhamento foi feito pela equipe da Change.org.
Na reunião, a coordenadora de campanhas da Change.org falou sobre a importância da mobilização e do apelo popular. “Pautas tão importantes como essa, infelizmente, muitas vezes ficam invisíveis aos olhos da sociedade e também do poder público”, discursou Débora. “Nós esperamos com a entrega desse abaixo-assinado demonstrar o apelo das mais de 31 mil pessoas que assinaram essa petição online como sociedade civil organizada. Que os direitos das pessoas com sequelas de queimaduras sejam garantidos, que essa campanha se torne uma vitória e possa inspirar muitas outras pessoas”, acrescentou a coordenadora.
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“Pautas tão importantes como essa, infelizmente, muitas vezes ficam invisíveis aos olhos da sociedade”
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Ao receber o abaixo-assinado, Lucena prometeu “envidar esforços” para que uma audiência pública seja provocada na Comissão de Seguridade Social e Família para tratar do assunto. “É possível que nós possamos juntos construir um texto, de repente chamando a responsabilidade de atestar caso a caso nos centros de queimados. Enfim, nós vamos encontrar uma saída. Eu me disponho, me comprometo com vocês e me disponho a levar esse assunto à Comissão de Seguridade e Família e a nós trabalharmos para que essa reivindicação justa encontre a sensibilidade na lei e seja contemplada pela lei”, completou.
O deputado afirmou, ainda, que recebeu o abaixo-assinado com muita satisfação. “São quase 32 mil vozes que fortalecem a minha voz no Congresso, que me dão legitimidade para poder chamar atenção do Congresso para essa reivindicação”, falou na ocasião.
A fisioterapeuta Mariana Negrão, que atua no tratamento de sequelas de queimaduras, também participou do encontro e, numa fala comovente, narrou a seriedade dos desafios das vítimas e a urgência dessa reivindicação. “Quantas vezes nós ficamos sabendo de pacientes do nosso grupo que, infelizmente, não conseguem suportar a dor de todas essas questões emocionais, físicas, e acabam optando por desistir da própria vida. Nós não queremos mais cidadãos brasileiros passando por isso, nós precisamos ajudar essas pessoas”, desabafou.
“Juntos somos mais fortes”
O ano era 2010. A professora Alexandra Bilar dobrava o período lecionando para uma turma de reforço escolar. Entre um turno e outro do trabalho, saiu para almoçar em um restaurante acompanhada de uma amiga. Enquanto se servia, uma funcionária chegou para abastecer o “rechaud” (fogareiro) com álcool líquido. Naquele momento, aconteceu uma explosão que deixou Alexandra com 16% do corpo queimado e que levou sua amiga a óbito.
Alexandra tinha 31 anos e sentia-se plenamente feliz, pois havia acabado de realizar alguns sonhos adiados por ter sido mãe aos 18. Tinha concluído a faculdade, comprado um apartamento, casado há apenas 3 meses e ingressaria no segundo cargo como professora.
“Minha vida foi transformada em segundos. Passei por indescritível sofrimento e até hoje me encontro em tratamento”, lembra. “Desde o ocorrido minha vida se resume em cirurgias, reabilitação, perícias médicas e muitas renúncias. Vi meu corpo ser deformado pelas cicatrizes”, completa. Quatro anos depois, criou grupos de apoio e começou a encontrar identificação com outras pessoas, bem como esperança nos profissionais que a atenderam.
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“Minha vida foi transformada em segundos. Passei por indescritível sofrimento e até hoje me encontro em tratamento”
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Em 2018, os grupos se oficializaram na Associação Nacional dos Amigos e Vítimas de Queimadura (Anaviq), por meio da qual Alexandra diz ter encontrado um novo propósito de vida. A associação começou a se constituir na sala de espera do Ambulatório de Sequelas de Queimaduras do Hospital das Clínicas, em São Paulo, durante os dias em que tinha consulta. O objetivo era conseguir uma maior comunicação entre as vítimas de várias regiões do Brasil.
No ano passado, ela postou um relato emocionado no Instagram sobre como foram os 10 anos depois de ter ganhado uma nova oportunidade de vida. Após o acidente, diz ter aprendido a viver cada dia como se fosse o último. O processo de aceitação de sua nova aparência e a maturidade fizeram com ela percebesse que a vida é preciosa. Por isso e pelos apoios que recebeu, conseguiu passar pela última década com amor, alegria e sem amargura.
“Além de cuidar apenas das minhas cicatrizes, quis aperfeiçoar também minha alma e meu espírito me dedicando ao trabalho voluntário”, narrou na rede social. “Amo a Deus, amo a vida, amo as pessoas, amo os animais, amo a natureza. Sou cheia de gratidão no coração, o que para alguns até parece até exagero, mas é assim que sou”, escreveu na publicação.
De muita superação pessoal, passando pela fundação da Anaviq, até o lançamento do abaixo-assinado, Alexandra tem uma história de luta. Hoje, em grande parte, sua mobilização visa alcançar pessoas que nem têm acesso a internet ou informações e mecanismos para reivindicarem por direitos. Ela agradece a quem já se uniu à causa e pede que as pessoas continuem se mobilizando pela petição, pois acredita que é uma “grande oportunidade” de as vítimas de acidentes com queimaduras alcançarem alguns direitos fundamentais.

“A Anaviq, de mãos dadas com a Change.org e toda a comunidade que trabalha em prol dessa causa, tem se esforçado para cumprir esse papel social tão importante que é, além de mobilizar os parlamentares, levar ao conhecimento da sociedade a gravidade que são as queimaduras e a importância de se prevenir, pois as consequências são drásticas, tanto física quanto emocionalmente”, destaca a presidente da associação. “Juntos somos mais fortes”, diz.
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“A Anaviq, de mãos dadas com a Change.org e toda a comunidade que trabalha em prol dessa causa, tem se esforçado para cumprir esse papel social tão importante”
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Luta contra queimaduras
Em 6 de junho, foi celebrado o Dia Nacional de Luta contra Queimaduras. O mês é dedicado à campanha #JunhoLaranja, que conta com diversas ações para disseminar a prevenção de queimaduras. O movimento lembra que acidentes deste tipo acontecem todos os dias, em grande maioria nos ambientes domésticos, vitimando milhares de pessoas.
Neste ano, o tema da campanha promovida pela SBQ foi “Álcool e fogo: mantenha o distanciamento. Contra queimaduras, prevenção é a vacina”. A ação mostra que, em decorrência da pandemia, houve um aumento dos acidentes pelo uso de álcool 70%.
“A prevenção é o método mais eficaz, mais econômico e indolor de se tratar as queimaduras. Infelizmente, faltam campanhas educativas que conscientizem a população dos riscos. Na pandemia, por exemplo, em ambiente domiciliar, as pessoas podem utilizar água e sabão para higienizarem as mãos, em vez de utilizarem o álcool, que é um dos grandes vilões e resultam em graves queimaduras”, alerta Alexandra, parabenizando a SBQ pela campanha.
Feliz e grata pelo engajamento alcançado até agora no abaixo-assinado, a professora aposentada segue com a mobilização a todo vapor. Ela espera, através de cada assinatura, amplificar a voz dos sobreviventes e de seus familiares, de profissionais de saúde e de todos que consideram a demanda legítima. “Quem não é visto, não é lembrado. Então, seguimos unidos buscando mobilizar mais sobreviventes, encorajando a todos a lutarem por essa causa”.
Para quem deseja lutar por uma causa, mas não acredita que pode funcionar, Alexandra indica buscar ouvir outras pessoas que têm a mesma luta e que podem trazer inspiração e forças para enfrentar os desafios e avançar. “Se em você arde o desejo de lutar por uma causa, primeiramente averigue a real motivação da luta e, se ela for legítima, nada nem ninguém te fará parar, apenas você mesmo”, afirma. “Amplie seus olhares para além do que você vê, busque apoio, pois ninguém faz nada sozinho”, conclui a presidente da Anaviq.
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A Associação Nacional dos Amigos e Vítimas de Queimadura (Anaviq) acolhe, de forma online, pessoas de todo o Brasil acometidas por queimaduras. A instituição conhece as demandas das vítimas e tem um senso comum das necessidades de tratamento, prevenção e formulação de políticas públicas para a causa. Entre seus objetivos estão: localizar, acolher e mediar conversas em grupos de apoio; buscar por parcerias para a realização de projetos que promovam maior qualidade de vida, melhora na autoestima das vítimas e combate ao isolamento social; encorajar os sobreviventes a serem agentes de prevenção; realizar palestras em escola e empresa alertando sobre os riscos das queimaduras. Conheça: http://anaviq.org.br/
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Esta matéria foi publicada na 3ª edição da revista digital “Change.org Brasil em Notícias”. Clique AQUI para ler.

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